Assim, a análise compreensiva de vários depoimentos revelou-se que, aos olhos dessas mulheres, o estar vivenciando a situação de abortamento se mostra:
Como uma experiência permeada por grande dor e que o abortamento foi experimentado como um momento do qual fazem parte sentimentos como tristeza, perda, solidão e dor. As falas mostram a expressão desse “estar sofrendo”:
“é ruim viu....é triste... nossa passei uma....barra sozinha em casa...com dor...quando eu vi aquele sangue eu chorei, chorei bastante...uma dor que é incompatível...nunca senti uma dor dessa tão forte e nessas horas foi que eu queria um apoio, alguém do meu lado...”
Foi possível perceber as diferentes naturezas da dor. A dor fisiológica e a existencial, isto é, da perda. Essa polaridade da dor é evidenciada nesta fala:
“Tive muita dor por dentro e por fora. Em tudo, no coração, dentro...chorei muito..”.
Algumas revelam a natureza frágil dos relacionamentos afetivo-sexuais que mantém com os parceiros, as relações conjugais e também o sofrimento com a ausência, incompreensão descaso do parceiro:
“a gente desarmada, não dá prá gente...insistir com a camisinha. Parece que se
fizer jogo duro, ele vai embora e me deixa na mão...”
“porque a mulher sofre e o homem não...vê, não percebe o quanto que a mulher está sofrendo...”
O papel masculino foi esquecido, mas é preciso que aos homens sejam ensinados eaprendam o exercício do direito do casal para a tomada de decisões.
Como uma experiência que requer uma hospitalização que se mostra desconfortante:
O desejo de retornar às suas casas emerge em suas falas:
“Quero que faça o efeito logo do remédio...não falaram nada da curetagem? Eu queria que fosse logo,quero ir embora...não vejo a hora deir embora... “
Foi relatado o medo de que pessoas significantes descobrissem o ocorrido:
“Meus pais vão ligar em casa, né...porque eles moram em G, e eu em república...a única pessoa que sabe que eu estou aqui é uma amiga minha da república, se meus pais ligarem lá eu peço para falar que eu fui dormir na casa de uma amiga para estudar “
· O que as incomodava no local era o não parar de pensar, de refletir. Às vezes, o silêncio as incomodava:
“Eu não queria mais a tortura remoendo, uma coisa que vai e volta sem parar na cabeça da gente. Queria acabar com tudo o mais rápido possível e nunca mais lembrar do que aconteceu...”
O desejo de ter ou não um filho, de ter ou não provocado um aborto, da situação econômica da família e da idade gestacional não interferem no sentido de amenizar o acontecido. O aborto envolto por critérios éticos, morais e religiosos incomoda as mulheres, levando-as ao sentimento de culpa ou medo de
· ser culpada pelo modo com ela está encarando a situação. Pude apreender esse medo através de sua fala:
Não sei se de repente alguém pode pensar que eu sou uma menina fria por pensar assim, entendeu? Do modo como eu estou encarando toda essa situação, para mim tinha que acontecer isso, não era o momento de ter um filho agora intensifica a dor dessa perda.”
· Como uma experiência que envolve uma preocupação com o corpo
“mas eu tive medo...medo de acontecer algumas coisa...com a gente
mesmo...mas acho que eu vou ficar nesse mesmo arranjar pra perder, né...a gente só sofre... “
“ ...agora eu pretendo esperar ó daqui uns cinco anos e olhe lá ainda...eu peguei trauma...pensei até em não ter filhos nunca mais.”
“Fiquei com medo de acontecer alguma coisa, porque está mexendo no seu útero, né, uma coisa mais séria,...sei lá, de acontecer alguma coisa e eu não poder ter mais filhos..”
· Como uma experiência que traz consigo o desejo de rever projetos de vida
“Hoje, eu quero dar um futuro melhor pros meus filhos...porque criança não tem culpa do que os pais fazem...hoje eu queromais ser dedicada, meus estudo....”
“mas agora eu quero arrumar minha vida...trabalhar...e eu quero mais ver meu filho
bem...e só. “
“Nunca mais quero passar por isso...agora quero planejar melhor...Agora vou evitar.”
Estes trechos dos depoimentos foram retirados do artigo:
Boemer,M. R; Mariutti, M. G; A mulher em situação de abortamento: um enfoque existencial. Revista da Escola de Enfermagem da USP 2003; 37(2): 59-71.
Nenhum comentário:
Postar um comentário